Título alternativo: Método científico para demonstrar de uma perspectiva isolacionista que a língua galega não existe
Dogmas do isolacionismo:
- O galego e o português têm uma origem comum que se remonta à Idade Média.
- Naquela época floresce uma literatura comum, chamada galego-portuguesa, essencialmente idêntica e unitária em ambas as duas ribeiras do Minho, mesmo apesar de o Condado Portucalense se separar do resto da Galiza entre 1128 e 1139.
- O documento literário em galego mais antigo que se conhece é Ora faz ost’o senhor de Navarra, datado entre 1170 e 1220 (posterior à independência de Portugal!), e cujo nome obedece a que começa com as frases:
Ora faz ost ‘o senhor de Navarra, / pois en Proenç’est’el-Rei d’Aragon; / non lh’an medo de pico nen de marra / Tarraçona, pero vezinhos son; / nen an medo de lhis poer boçon / e riir-s’an muit’Endurra e Darra; / mais, se Deus traj’o senhor de Monçon, / ben mi cuid’eu que a cunca lhis varra.
- Num momento indeterminado, o galego e o português começam a separar-se. No século XV ainda se considera que a língua é a mesma (com algumas diferenças gráficas devido a que na Galiza se instalam escrivãos de origem castelhana)…
- … mas menos de dous séculos depois, com o Padre Feijó e o Padre Sarmiento, “os ilustrados”, já se considera que o galego e o português são línguas diferentes. No meio de ambos períodos, século XVI e com Portugal anexado ao Reino das Espanhas, um neto de galego, Luís Vaz de Camões, publica Os Lusíadas, e isso é considerado como português (e não galego) polo isolacionismo…
- No século XIX, por fim, os precursores iniciam a recuperação escrita do galego e iniciam um caminho que segue até os nossos dias.
Deconstrução:
Chegados a este ponto, uma pessoa com ao menos dous dedos de senso comum não pode menos que escandalizar-se, já que o isolacionismo não oferece um só argumento para indicar em que momento entre os séculos XV e XVII galego e português passam a ser duas línguas diferentes ou porque os textos de Camões, máxima figura histórico-literária de Portugal, são considerados português e não galego.
E não apenas não indica um período em que isso acontece, mas tampouco indica quais foram as causas. Só alude a um progressivo distanciamento entre a Galiza e Portugal, à guerra castelhano-espanhola (com levas de soldados galegos luitarem contra os portugueses), etc., como se um conflito bélico de curta duração pudesse transformar uma língua em duas, e menos ainda quando poucas décadas antes ainda se falava de língua e literatura comuns.
Mas se colhermos ao pé da letra as pretensões isolacionistas, chegamos a conclusões mais terríveis.
Volvamos olhar o texto de Johan Soárez de Paiva, Ora faz ost’o senhor de Navarra, e volvamos analisar o treito citado e repararemos em que o primeiro texto em galego está, horror!, cheio de lusismos (em vermelho) e traços mais característicos da língua portuguesa do que da língua galega (em azul).
Ora faz ost ‘o senhor de Navarra, / pois en Proenç‘est’el-Rei d’Aragon; / non lh‘an medo de pico nen de marra / Tarraçona, pero vezinhos son; / nen an medo de lhis poer boçon / e riir-s’an muit‘Endurra e Darra; / mais, se Deus traj‘o senhor de Monçon, / ben mi cuid’eu que a cunca lhis varra.
Resumindo um bocadinho, o primeiro texto em galegosó tem os seguintes traços coincidentes com o galego moderno:
- Terminações em -n
- Partícula pero
- Terminação -an por -ám ou -ão
- Terminação -on por -om ou -ão
Coincidentes com o português moderno temos, porém:
- Forma verbal faz (por *fai)
- Uso do ç
- Uso do dígrafo lh
- Uso o dígrafo nh
- Uso da consoante j
- Uso dos pronomes mesoclíticos no caso de riir-s’an, que em ortografia moderna portuguesa seria rir-se-ão, considerado um lusismo no galego moderno
- Presença do ditongo ui em casos em que no galego moderno temos oi: muito, cuidar
Conclusões:
Dizia que uma interpretação isolacionista ao pé da letra dá para conclusões mais terríveis… para o isolacionismo, é claro, pois a evidência acaba por indicar que o primeiro texto presumivelmente escrito em galego perde com 4 a 7 para ser considerado um texto em português. E se o primeiro texto em galego realmente é o primeiro texto em português, qual é o primeiro texto em galego? Os dos algum dos precursores há duzentos anos? Talvez os dos ilustrados quatro séculos atrás? Diante disto o isolacinismo inicia o seu discurso tautológico e não oferece, como decote, respostas.
Comentários
9 comentários a “Desde quando existe o galego? O galego existe desde há só douscentos anos? Quatrocentos anos?”
punto 1) non sei o que é “isolacionismo” (sexa máis preciso e menos despectivo 😉 :*
punto 2) o galego separouse do portugués ás 16h23 do 3 de maio de 1734. contento??? 😀 agora dígame en que momento o latín deixou de ser latín para converterse en italiano, por exemplo.
punto 3) se quere falamos igual ca en 1220, igual ca hai 800 anos case. don’t worry. quieto parado… pero (pero!) que significa “moçon” e “varra”?
punto 4) monísimo o texto en vermello e azul. polo menos queda á vista que hai trazos coincidentes co galego moderno (eu pensaba francamente só encontrar reintegratada 😀 )
1.- Não vejo que que “isolacionismo” seja despectivo. No mínimo, é menos confuso (e mal-intencionado) do que “independentismo” 😉
2.- Mi dispiace, ma io non so Italiano, ma Galiziano 😀 Por outra parte, não peço nem um dia (XD) nem um ano exactos, só faltaria, mas uma época mais definida e, acima de tudo, argumentada e com provas.
3.- “Monçon” é uma localidade espanhola, actualmente “Monzón”. E “varra” é, segundo boa parte dos filólogos, uma forma conjugada do verbo “varrer”.
4.- Uns traços que perdem por goleada 4-7, meu caro amigo. E isso que este é “o primeiro”, polo que é de deduzir que o resto conterão mais divergências, ou? 😀
“Traedor provado et ladron cuñuçudo
seyam in juyzo do meyriño do concello”
Extractado do Foro do bo burgo do Castro Caldelas (Afonso IX, 1228), recoñecido (a día de hoxe, que eu saiba) polo Consello da Cultura Galega como primeiro documento redactado en galego/romance.
Concello? Meyriño? Ladron? Juyzo?
Eses putos españolistas viraron isolos en só 8 anos! Sinverghuensas!
O que eu cito é o primeiro texto literário conhecido 😀 A prosa notarial, como neste caso, era a mais propensa a usar Ñ e LL 😉 Também pode ser uma argalhada da pessoa que o transcreveu 😀
E digo isso porque no TMILG (que está feito com maior rigor) aparece o seguinte:
Olha o que temos doze anos depois, em 1240:
Cagondiola, outra vez reintegratas? Ai, e esses y todos? 😀
Olho! http://gl.wikipedia.org/wiki/Foro_do_burgo_de_Castro_Caldelas o documento máis antigo escrito en galego que se coñece no territorio que actualmente constitúe Galiza
Querem-nos enganar pero nom cola xD
Se reparardes aqui (coidado cos olhos!) http://www.agal-gz.org/pdf/foro_burgo.pdf pode-se ver que nom hai ñ no texto.
Aí lhe deste, One2! No documento aprecia-se, com efeito, o uso do “ll”, mas não do Ñ 😀
A manipulação de alguns paleografistas chega a níveis indescritíveis, inventando Ñ por toda a parte XD
E mesmo assim, mesmo que tivesse LL e Ñ, segue a ser mais português do que galego 😉
xD aí estiveches ben, maceirax
de todos os xeitos tamén se nota o imperialismo latino-romano-paleocristiano: escribían “et” 😀
Parabéns ao autor do post. Mui bom enfoque, sim senhor!! Gostei muito.
De uma óptica isolacionista para as falas galegas, haveria que falar de três línguas: O português, o galego e uma língua ancestral mas DIFERENTE e já extinta, o galego-português. E eles/as deveriam deixar de considerar milenária ou quase milenária língua galega. De outra maneira, estariam caindo em brutal incoerência (o que nunca foi um problema para eles).
Quando num debate argumentado entre ambas as posturas uma delas faz ouvidos surdos (e parece que temos um caso nos comentários deste post) as argumentações sólidas são desperdiçadas perante os que parecem não entendê-las (por malícia ou por…)
Mil primaveras mais para a língua galega.
Sou eu quem tem de agradecer-lhe as suas gentis palavras. Saúde e abraços.