De complexos e de dicionários

dicionário porto editora 2008Motivado polo meu artigo anterior (sobre os greleiros) e por um artigo do Fer (sobre os neologismos, elaboração de dicionários e fixação de normas), permito-me elaborar o seguinte textículo (que diria o professor António Gil) que, ao meu entender, complementa parte do exposto polo nosso blogueiro científico mais conhecido 😉

É certo que a fixação da terminologia científica e dos neologismos deveria ser uma das preocupações de qualquer academia e, pois, teria que primar a sua presença nos dicionários. Mas… é isto o que se passa no nosso país?  Particularmente, permito-me fazer várias considerações.

  1. Os dicionários costumam ser obras destinadas para o grande público ou públicos generalistas, isto é, plurais e diversos com diferentes graus formativos, interesses, etc. O que se prima ao elaborar um dicionário não é o carácter ciclópeo/enciclopédico, mas ser o mais abrangente possível.
  2. Dentro desse processe de ser ‘abrangente’ ou ‘acessível e útil’ para a maioria da sociedade, o seu tamanho costuma ser ao redor de 1/3 ou 1/4 do córpus linguístico total. Por exemplo, se no galego existem (estou a inventar) 200 MIL termos, incluindo neologismos, etc., num dicionário dos considerados ‘bons’ haverá entre 50 e 60 MIL verbetes. Acho que não vou longe da realidade, pos o maior dicionário de galego-ILG publicado tem ao redor de 90 MIL, incluindo múltiplas variantes de uma só palavra, enquanto os últimos dicionários de Xerais continham entre 80 e 90 MIL. As edições ‘medianas’ deste último tinham por volta das 30 ou 40 mil. É lógico que neste processo fiquem fora muitos termos, incluindo neologismos, que polo geral são recolhidos em obras à parte onde se (deveria) explicam com maior profusão. Isto é algo que acontece em todas as línguas, que elaboram um dicionário geral e de carácter abrangente, e ao tempo elaboram diferentes compêndios de léxico científico-técnico e especializado.
  3. Ora bem, resulta muito revelador da forma de pensar de uma sociedade ou de umas elites que se passe o seguinte:
    1. Que no processo redutivo seja a terminologia científica (geralmente a que mais dúvidas suscita) a que mais sofre neste processo, em detrimento da terminologia labrega, marinheira, de gírias ou de usos mais restritivos.
    2. Que à hora de adaptar os neologismos para o galego, o cânone (ou seja, a referência culta) seja a castelhana, particularmente enciclopédias espanholas e o dicionário da Real Academia Española, como bem denunciou o professor Garrido num artículo em que se via, à perfeição, como lemas inteiros de léxico científico (e não só) se calcavam dos castelhanos, mesmo para realidades inexistentes ou divergentes no nosso país.
    3. Que à hora de elaborar definições se prescinda da perspectiva nacional, já que se bem há realidades até certo ponto ‘universais’ (polo que poderiam aceitar definições globais, sem referências locais), o certo é que só outras se podem explicar desde um prisma autóctone, pois carregam inúmeros matizes e conotações. Se um dicionário nasce de uma sociedade e pretende servir a ela, não pode prescindir dessas referências.
    4. Que à hora de fixar a norma e primar um léxico sobre outro, se dê preferência a formas minoritárias, estravagantes ou o mais diferentes possíveis do castelhano… e do português. Assim, formas comuns aquém e além Minho (p.e., doninha, joelho…) são suplidas por outras de âmbito mais restrito (p.e., donicela, xeonllo).
  4. Cuido que há duas respostas para todo o exposto no ponto anterior:
    1. Que as ‘elites’ linguísticas galegas, ou seja, esse grupúsculo difuso de pessoas encarregadas de fixar e difundir a norma culta do galego-espanhol, têm tão interiorizado o seu complexo de supeditação à lengua española por antonomasia que são incapazes já não só de reverter essa situação, mas serem cientes dela.
    2. Que as ‘elites’ linguísticas galegas continuam com esse complexo a respeito do castelhano, polo que prescindem dos neologismos (polo geral, comuns ao resto de idiomas românicos, agás nas particularidades morfológicas de cada língua) e aprofundam no léxico minoritário para reafirmar a identidade do idioma galego a respeito do castelhano.

Actualmente, e para vergonha do ILG e da RAG, o melhor dicionário ‘galego’ cheio de termos científicos chama-se Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora. Trata-se de uma obra considerada de referência mesmo por muitos isolacionistas. Por se a alguém interessar, a última versão do dicionário custa 40,41 €. Pode ser adquirido em linha ou em livrarias como A Palavra Perduda.


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Comentários

5 comentários a “De complexos e de dicionários”

  1. Avatar de Gábri

    Eu sempre dixem que esses livros de texto carregados de referências às partes do carro e a 20000 tipos de aves autóctones que ninguém conhece nom podiam ser bons… Enquanto os meninos aprendem isso falam do “ordenador”,a “pantalla”, o “GhePS”, as “ventanas” do windows…
    Com respeito ao dos dicionários, acho que também nom lhes vinha mal fazer ediçons em CD, q nom tenhem mais que medo a que os copiem… Hoje trabalha-se fundamentalmente com o computador, polo que ter um dicionário instalado é imprescindível. Além disso umha ediçom em CD permite-che trabalhar tam comodamente com o Houaiss, que fisicamente é um tijolo enorme, como com o da Porto ou outro de uso.

    Por certo, achei interessante o Projecto Caldas Aulete, da Lexikon e a Odisséia Editorial, que querem tirar umha ediçom colaborativa deste dicionário. Acho que era umha boa oportunidade para introduzir léxico galego.

  2. Avatar de Uz

    Ainda que cho disse já no privado, comento aqui que são de interesse para a reflexão as tuas achegas 😉

    Saudações transchairegas :D!!