O vírus mutante de Anselmo López Carreira

O historiador —por vezes metido a linguista— Anselmo López Carreira dedicou um alargado artigo no Nós Diario para repudiar e denigrar o reintegracionismo, que reduziu à consideração de «devastador vírus mutado». Já na introdução do seu texto, López Carreira expõe a nudez doa sua formação filológica, mas supre-a sobejamente com elevadas doses de imaginação e maledicência.

De língua podemos opinar todas e todos, diz-nos o historiador. Jaora! Em verdade, todas e todos podemos opinar de qualquer cousa, por mais que os resultados desse exercício acabem sendo díspares.

Galego-utente, galego-consciente

O eixo argumental inicial é uma réplica a um outro artigo da professora Pilar García Negro sobre a pertinência do termo «neofalante» referido à Galiza. Sem dúvida, um debate interessante, especialmente porque algumas das ideias expostas já apareciam num texto meu do ano passado: Galego-utente / Galego-consciente. Porém, na sua argumentação, López Carreira acaba confundindo os desígnios linguísticos, históricos e políticos, como no exemplo:

Deixando a un lado que a fin de contas todo idioma é unha fala adoptada por unha nación, o que agora pretendo é confirmar a existencia de neofalantes e de falantes naturais do galego.

Não, não e não, senhor López Carreira. Um idioma não é uma «fala adoptada por uma nação». A qualidade de falar (a fala) é intrínseca aos seres humanos. O idioma (ou língua), ferramenta elaborada através da fala, é pré-existente a uma nação. Existe a língua e, depois, pode existir ou não uma nação.

Devastador vírus mutado

A seguir, López Carreira contra-argumenta García Negro relacionando a condição de neofalante com a libertação do jugo de dependência respeito da língua castelhana. E, quase sem respirar, equipara a diglossia galego-castelhano com uma diglossia galego-português. Nesta diglossia galego-português, o reintegracionismo ou lusismo —que não é nomeado— é equiparado a um vírus. A gravidade da comparança continua ao inçar o argumentário de léxico pandémico, finalizando com a necessidade de «combater» essa doença. Reproduzo, de maneira sucinta, as palavras do historiador, salientando em negrito alguns termos:

É verdade que a meirande parte dos falantes naturais padecen os efectos corrosivos da diglosia, vertente do autoodio, mais non se trata dun “virus” inoculado nas estruturas do idioma, senón das feridas infrinxidas pola desproporcionada acometida do castellano no longuísimo proceso da dependencia. […] o virus estase estendendo mediante a homologación doutra diglosia complementaria da anterior e converxente con ela nos efectos finais: a que pretende reducir o galego ao nivel de fala menor dentro doutro sistema, neste caso o portugués, infectando o galego con termos alleos, inasumibles para o falante natural, fomentando a falsa idea de existir un paradigma culto (o portugués, paveramente chamado galego internacional) do que o galego (o nacional) vén sendo unha forma dialectal, válida para o uso doméstico ou local, pero non para máis altos cometidos. Pura diglosia! A diferenza da outra, esta contáxiase de maneira subrepticia. É un virus mutado, devastador e difícil de combater, porque antes de nada cómpre identificalo.

Infelizmente, défices de formação ou de outro tipo instalárom na Galiza um uso errado do termo científico diglossia. Não existe diglossia em falar castelhano com umas pessoas e galego com outras, mas uma situação de subordinação de uma língua respeito da outra. Diglossia é utilizar diferentes registos da mesma língua em diferentes contextos. Por exemplo, diglossia é falar um galego mais castelhanizado com a família e um galego mais cuidado numa aula ou numa palestra.

O português, critério para restaurar o galego

Aclarado o anterior, só a partir de uma óptica fanática se podem equiparar os efeitos do castelhano sobre o galego com os efeitos do português. Em primeiro lugar, o castelhano é uma língua totalmente diferente do galego que, durante séculos, substituíu a nossa língua dos registos cultos e oficiais e produziu um processo de deturpação da toponímia, apelidos e da língua em geral. O português, porém, é desde há uns 150 anos a fonte donde beber para a plena restauração do galego da situação de degradação que padeceu tanto tempo, quer para a sua ortografia, quer para o seu léxico ou para preencher qualquer outro vácuo.

Se não fosse assim, as Normas Ortográficas e Morfolóxicas do Idioma Galego (NOMIG) [PDF], elaboradas pola Real Academia Galega, não incluria o seguinte princípio quarto (o negrito é meu):

As escollas normativas deben ser harmónicas coas das outras linguas, especialmente coas romances en xeral e coa portuguesa en particular, evitando que o galego adopte solucións insolidarias e unilaterais naqueles aspectos comúns a todas elas. Para o arrequecemento do léxico culto, nomeadamente no referido aos ámbitos científico e técnico, o portugués será considerado recurso fundamental, sempre que esta adopción non for contraria ás características estruturais do galego. […]

Só quatro parágrafos depois, as NOMIG dizem:

Valorar a contribución do portugués peninsular e brasileiro, mais excluír solucións que, aínda sendo apropiadas para esa lingua, sexan contrarias á estrutura lingüística do galego. O punto de partida e de chegada en calquera escolla normativa ha de ser sempre o galego.

O reintegracionismo não é um vírus

Em resumo, as NOMIG outorgam —embora só de palavra— um papel relevante ao português para a dignificação do galego, como leva fazendo todo o galeguismo quase um século e meio.

É uma mágoa que o historiador, agora fantasiado de filólogo e sociolinguista, pretenda situar um movimento de regeneração do galego como um vírus que pretende a sua destruição. Se o reintegracionismo não formasse parte da base mesma do galeguismo, hoje em dia formariam parte do galego culto e independente termos que não há tanto estavam em manuais escolares ou dicionários como gallego, entonces, diferencia ou axuntamento (galego, entón/então, diferenza/diferença, concelho/concello). Senhor López Carreira: nem somos um vírus, nem somos o inimigo. Mas o fanatismo, esse sim, é uma perigosa doença.


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