«Sangenjo»: galego coma ti

Periodicamente, e especialmente nos verãos, vem à tona a mesma (falsa) polémica a conto do topónimo «Sangenjo». E, como cada ano, cumpre darmos uma explicação pedagógica.

Antes de mais, o topónimo «Sangenjo» é galego, tão galego como os apelidos «Sangiao» ou «Sanjurjo». O único castelhanismo que podem ter é a pronúncia que se figer das letras «g» e «j», que na generalidade da Galiza devem soar igual que o «x» nas palavras «caixa»,«xurro» ou «enxuito».

Em ambos os três casos, são nomes compostos de dous elementos:

  • «San-», derivado do latim seródio Sanctu (Santo), que no galego moderno escrevemos «São» (grafia internacional), «Sam» (grafia também admissível nos usos reintegracionistas) ou «San» (galego isolacionista, coincidente com o castelhano).
  • Um nome próprio: «Genjo» (também grafado «Xenxo» no galego isolacionista), do latim Genesiu (castelhano Ginés); «Jião» (também grafado «Xiao»), do latim Iulianu (castelhano Julián); «Jurjo» («Xurxo»), do latim seródio Georgiu (castelhano, mas também galego-português «Jorge»).

Cinco séculos na oralidade

Devido às vicissitudes históricas e linguísticas do nosso país, a toponímia experimentou essencialmente quatro processos:

  1. Uma castelhanização sistemática de meados do século XV em diante, devido à imposição dessa língua como oficial de todos os registos cultos, eclesiásticos e administrativos em geral. Desta maneira, os topónimos, e mais tarde também os nomes próprios e os de família (os apelidos) iriam sendo substituídos polos equivalente nessa língua ou dotados de uma feição castelhana. Foi o caso dos Lorenzana (Lourençã), Villaodrid (Vila Oudriz) ou os milhares de Otero (Outeiro) de todo o País.
  2. A língua galega, carente de um modelo culto ao norte do rio Minho, foi evoluindo sem contacto com a variedade do sul e influenciada fortemente polo castelhano. Paralelamente (ou talvez por isso? não tenho a formação adequada para ser categórico) aparecêrom em diferentes zonas da Galiza fenómenos como a gheada (aspiração do «g», polas razões que sejam) ou o thetacismo (pronúncia dos «c» e «z» à moda castelhana, polas razões que sejam). Isto levou a que hoje em dia haja alguns falsos Rexenxo que realmente sejam «Reguengo» (a pronúncia aspirada da gheada foi párea à castelhanização gráfica em Rejenjo e a deficiente regaleguização como Rexenxo) [1]. Também motivou que inúmeros topónimos originalmente findados indistintamente em -s ou -z, porque a pronúncia era a mesma, tenham hoje diferentes terminações dependendo do lugar do país em que se encontrem; é o caso, por exemplo, da freguesia de «Romariz», em Abadim, registada também como Romaris em documentos antigos, ou das freguesias de Baltar (Pastoriça) e Esteiro (Cedeira), cujos padroeiros atuais são São Pedro Fiz e São Fiz, respetivamente, mas aparecem documentados como S. Fiins ainda no século XV [2].
  3. Durante quase cinco séculos, a toponímia genuína galega ficou essencialmente restrita aos usos orais. Perviveu durante gerações de avós para netas, de pais para filhos, de maneira oral. Isso também levou a que alguns topónimos mudassem rapidamente de forma, de pronúncia, ou mesmo se confundissem com outros termos e se perdesse a memória ou a noção do seu significado real. É o caso de topónimos que hoje resultam obscuros ou equívocos, como «Osebe» (Teu), que viria de um (*villa) Eusebius (vila de Eusébio) [3], ou «Ames» (concelho), que provém de um antigo Oliames (Oliames > Oyames > Oames > Ames) [4].
  4. Com a recuperação da autonomia política da Galiza, em finais do século XX, foi imposta uma ortografia isolacionista para o galego, o qual causou diversos efeitos na restauração da nossa toponímia:
    1. Desbotárom-se grafias antigas como «g», «j», «ss» ou «ç». Isto levou para uma regularização de todos os «g» e «j» históricos em «x» (São Genjo> Sanxenxo), mas também erros na hora de corrigir algumas castelhanizações (como o Rexenxo já indicado).
    2. Em muitos topónimos imperou o critério de grafar tudojunto apesar de serem reconhecíveis os seus elementos. É o caso de Ribadavia (Riba d’Ávia), Penacorveira (Pena Corveira)…
    3. Houvo vacilações quanto a vogais deglutinadas e interpretadas erroneamente como artigos no processo de castelhanização e na regaleguização posterior. Isto representou mais uma pedra acima de todos os processos anteriores, muitas vezes tornando em absurdos ou valeiros de significado alguns topónimos. Isto aconteceu, por exemplo, com algumas Agrela galegas (diminutivos de Agra), mal castelhanizadas como La Grela, e pior regaleguizadas como A Grela [5].

São Genjo

O caso que nos ocupa, a forma Genjo está documentada como Geenjo: «Sancha Rrodriges, moller que fostes de Ferrnand Gomes da Mẽda, moradora en Sã Geenjo de Vamjo» [6]. Esse topónimo corresponde-se com o atual San Xens de Bamio. Precisamente, «São Gens» também está documentado como apelido: «Sepan quantos esta carta de aforamento viren como nos don frey Rodrigo de Sant Gẽẽns, abbade do mosteyro de San Cloyo do Ribeyro da Auia e el señor don frey Iohan de Grijoa» [7]. Não há dúvida da galeguidade de Genjo (nem de Gens), nem tampouco de que no galego moderno deve levar um «g» e um «j», portanto, nem dous «j» (São Jenjo, Sanjenjo) nem dous «x» (San Xenxo, Sanxenxo).

Insisto, mais uma vez, em que na maior parte do território galego, seja qual for a grafia, «São Genjo» e «Sanxenxo» devem ser pronunciados exatamente igual.

E em castelhano?

Em castelhano, os organismos oficiais estão obrigados a usarem a forma estabelecida como legalmente válida na Galiza, que no caso é… Sanxenxo. Um absurdo histórico, como vimos. Quanto às pessoas individuais e entidades privadas, podem usar a forma que lhes sair por onde começam os cestos, seja com Sanjenjo, seja com La Coruña, El Carballino ou Puenteceso. E se puder ser uma forma ainda mais ridícula (Tempranohecha, Bueymuerto, Suelodeiglesia de la Quijada…), melhor, que para algo é a sua língua e podem inventar quanto quigerem.

NOTAS A RODAPÉ

[1] Mais informações no interessante artigo A gheada na onomástica, achegas á estandarización, págs. 3, 9 15 [Ana Isabel Boullón Agrelo, 2012]

[2] Aparece sob a forma «Romaris» no Gallaecia Monumenta Historica (GMH) [Colección diplomática medieval do Arquivo da Catedral de Mondoñedo, Documento 206 (1488)].

[3] O artigo na toponimia galega: aspectos da estandarización, pág. 14 [Boullón Agrelo, 2011]

[4] Sobre a matéria toponímia é fulcral a leitura ou consulta da tese de doutoramento de Paulo Martínez Lema (2010): A toponimia das comarcas de Bergantiños, Fisterra, Soneira e Xallas na documentación do Tombo de Toxos Outos (séculos XII-XIV), amplamente citada, também no artigo anteriormente referenciado. O caso de «Ames» está recolhido entre as páginas 328-329.

[5] Ver obra citada [Boullón, 2011].

[6] Gallaecia Monumenta Historica (GMH) [Libro de notas de Álvaro Pérez, notario da Terra de Rianxo e Postmarcos, Documento 032 (1457)].

[7] TMILG = Varela Barreiro, Xavier (dir.) (2004-): Tesouro Medieval Informatizado da Lingua Galega. Santiago de Compostela: Instituto da Lingua Galega. [Lucas Álvarez, Manuel / Lucas Domínguez, Pedro (eds. ) (1996): El monasterio de San Clodio do Ribeiro en la Edad Media: estudio y documentos. Sada / A Coruña: Edicións do Castro (Publicacións do Seminario de Estudios Galegos).]


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