Crónica da X Legislatura: o triunfo da ‘velha’ política

BNG: este morto está muito vivo

De En Marea à AGE III

Os pecados de Luís Villares

E em abril, o quê?

A X Legislatura do Parlamento da Galiza deixou-nos como grande conclusão do ciclo o triunfo da deostada velha política sobre as concepções rupturistas que o iam mudar tudo. Era visto, mais ainda à luz dos precedentes, porque a realidade é teimosa e os factos falam com grande eloquência, excepto para quem não der ouvidos.

Como já acontecera na IX Legislatura, o espaço político de mutante nome voltou a implosionar, reeditando a criação de um Grupo Misto no Parlamento nacional, ainda que com muito mais ruído nesta ocasião. Naquela altura, a Alternativa Galega de Esquerdas (AGE), composta por Anova e Esquerda Unida, acabou perdendo três assentos na Câmara entre os anos 2014 e 2016. Primeiro, Carmen Iglesias (fevereiro 2014), expulsa de EU por desobedecer o pacto pré-eleitoral e não ceder o seu assento após um membro de Anova abandonar o Parlamento por razões laborais; depois, Chelo Martínez (novembro 2014), que abandonou o grupo parlamentar após o seu partido, Cerna, se cindir de Anova; finalmente, Mónica Fernández (janeiro 2016), também de Cerna, que entraria no Parlamento para substituir a nova deputada estatal Yolanda Díaz.

Desta volta, a cisão foi de uma vez só, mas de maneira anómala. Em julho de 2019, após oito meses de turbulências, Luís Villares, porta-voz do grupo parlamentar En Marea, anunciava a sua saída para o Grupo Misto, acompanhado de Paula Verao, Pancho Casal e Davide Rodríguez, a quem acompanharia já em começos de 2020 Mariló Candedo, depois de assumir a ata de deputado de Manuel Lago —o deputado abandonava o Parlamento para formar parte da equipa da ministra Yolanda Díaz.

A criação do Grupo Misto pairava havia tempo sobre En Marea, se bem tudo indicava que podiam ser os críticos —maioritários— os que tomassem a decisão de romper. De facto, um deputado crítico chegara a consultar com os serviços jurídicos do Parlamento sobre os trâmites para a criação do dito grupo. A decisão oficialista de ser a que fosse para o Misto, e não ao invés, pegou muita gente de surpresa, também as bases, que não aguardavam essa resolução. Pode ser que tampouco Villares medisse o bastante os efeitos, porque, com essa medida, o partido político En Marea perdeu o direito de usar o nome En Marea para o seu grupo Parlamentar, que os críticos continuárom a usar nos dous meses seguintes.

Como tudo começou?

Os problemas começaram, oficialmente, em finais de novembro de 2018, quando duas candidaturas concorrêrom para a liderança do partido político En Marea: a oficial, pilotada por Luís Villares, e uma alternativa, chefiada por David Bruzos (Podemos), que tinha o apoio dos principais alcaides e cargos públicos do espaço político rupturista. Quase na véspera das votações, a coordenadora (direção) de En Marea acusou a candidatura alternativa de manipular o censo, ameaçando até com ações judiciais, e paralisou —posteriormente, adiou— o processo até poder oferecer garantias de limpeza.

Afinal, as ditas primárias tivérom lugar quase findando o ano, no meio e chamamentos ao boicote por parte do setor crítico. O Villares acabou ganhando com perto de 60% dos votos e, a partir daí, houvo uma dicotomia constante entre o Grupo Parlamentar En Marea, controlado polo setor crítico, e o partido político En Marea, pilotado por uma direção que não era reconhecida polos críticos.

O primeiro aviso da ruptura chegou em março de 2019, quando se conhecêrom as candidaturas para as eleições gerais de 28 de abril. A essa cita chegava-se com um duro debate interno sobre a fórmula da concorrência eleitoral e as ordens de Pablo Iglesias para que na Galiza se repetisse mimeticamente a mesma fórmula que no Estado (Izquierda Unida+Podemos), com a possibilidade de contar com algum verniz galego (através de Anova). Em frente estavam as teses oficiais de En Marea, marcando que o partido instrumental era formado por pessoas a título individual, não por partidos políticos, e que não se podia submeter às diretrizes chegadas de Madrid. O resultado —previsível— foi que En Marea se acabou apresentando em solitário, concorrendo contra a nova marca Galicia en Común (Podemos, Esquerda Unida, Anova e Equo).

O resultado foi um fracasso para En Marea, que colheitou apenas 17.726 votos frente aos 236.746 dos seus antigos aliados. Ventando o sangue, às poucas horas do pós-eleitoral, a parte crítica do Grupo Parlamentar En Marea emitiu um comunicado em que anunciavam o começo de um «período de reflexão» para valorizar a continuidade de Luís Villares como porta-voz.

As tensões acabárom de estourar em julho, depois de fracassar a tentativa do partido político En Marea de nomear Mariló Candedo como senadora por designação autonómica, decisão rejeitada polo Grupo Parlamentar homónimo. Isso acabaria conduzindo, em cousa de dias, à já sabida divisão do que até o momento era o principal grupo da oposição —igualado com o PSOE, mas com mais votos.

A partir de aí, En Marea como partido político perdeu músculo e visibilidade, até o ponto de que decidiu não concorrer à repetição das eleições gerais de novembro de 2019, idêntica decisão que tomaria nos últimos dias respeito das eleições nacionais de 5 de abril de 2020, após Luís Villares anunciar a retirada da vida política.

Os pecados de Luís Villares

O resumo deste longo périplo é contundente: triunfárom as teses da chamada velha política, isto é, da política onde as grandes decisões estratégicas as tomam as direções dos partidos que, depois consultam nos seus órgãos estatutários.

Ato do encerramento da campanha de En Marea em 2016. Luís Villares, no centro, entre Carmen Santos (Podemos) e Martiño Noriega (Anova)

Como certeiramente analisa o jornalista David Lombao, Luís Villares foi um candidato sem partido. Chegou a arena política como solução de urgência para as eleições nacionais de setembro de 2016. Postulado desde o mês de abril polos grupos mais próximos a Anova, unicamente foi confirmado como candidato a pouco mais de um mês da cita com as urnas, devido às dificuldades de En Marea —partido criado em julho— para chegar a um acordo de Podemos, que finalmente aceitaria —não sem problemas— diluir-se dentro do partido instrumental.

Os episódios incómodos entre Podemos e Anova fôrom constantes, e mais de um analista fazia apostas públicas sobre quando Podemos iria para o Grupo Misto. Quem lhes diria dizer que, a um ano de rematar a legislatura, seria a entente formada por Podemos, Anova e Esquerda Unida a que forçaria o setor oficialista de En Marea a romper!

A chave desse entendimento estivo na aparição de um inimigo comum: Luís Villares. O candidato de urgência, que em princípio só vinha oferecer a sua imagem para impedir que outro candidato se queimasse em excesso ante um eventual triunfo do Feijóo, rebelou-se contra a condição de boneco de palha.

Assumidos os resultados eleitorais, Luís Villares cometeu o pecado de pretender dirigir o partido e o grupo parlamentar, pois para algo fora ele o candidato à presidência da Junta. Por essa razão, procurou dotar de conteúdo o partido instrumental En Marea. Esse foi o seu primeiro grande erro, pois, por definição, um partido instrumental apenas devia ser uma casca, uma fórmula legal para se aproveitar de umas determinadas vantagens eleitorais.

Mas o Villares, acreditando de boa fé nos predicamentos da nova política e nos princípios reitores da assembleia fundacional do partido, tinha a firme convicção de que En Marea devia ser um sujeito político de seu, não apenas um guarda-chuva para Podemos, Esquerda Unida, Anova e as múltiplas marés locais. Sem dúvida, quem melhor retratou esse erro foi a atual ministra Yolanda Díaz, quem qualificou En Marea de «partido ornamental», já que esse devia ser o seu único cometido.

O Villares deu a batalha e, durante um tempo, conseguiu os seus objetivos: controlar a direção do partido e do grupo parlamentar. Mas En Marea, contrariamente a Esquerda Unida, Podemos e —em menor medida— Anova, carece de um tecido social sólido. Nesse contexto, as cúpulas dos partidos dos seus —cada vez mais distantes— aliados encarregárom-se de ir-lhe coutando o terreno, até que se viu politicamente só.

A ressurreição do BNG

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Resultados das eleições gerais de novembro de 2019

O BNG, partido que mais de um considerou «obsoleto» e chegou a dar por morto, rearmou-se na última legislatura ao redor de dous princípios: 1) renovação de rostos públicos, tanto em quantidade como em qualidade, reduzindo também a idade média; 2) reforçamento da coesão interna ao redor de uns princípios reconhecíveis.

Com essa singeleza, o «efeito Pontón» iniciado em 2016 traduziu-se numa melhora constante dos resultados eleitorais do BNG. Dos 44.902 votos das eleições gerais de junho desse ano aos 118.982 nas eleições nacionais, só três meses depois. Os resultados nas duas eleições gerais mais recentes fôrom numa linha similar: 93.810 em abril de 2019 e 119.597 em novembro. A diferença, no último caso, foi que Compromiso por Galicia se integrou nas listas do BNG em novembro, ao tempo que En Marea não participou. Produziu-se, à partida, um transvasamento de voto cara ao BNG —como já se analisara aqui.

Os melhores resultados, sem dúvida, fôrom nas eleições locais e europeias de 26 de maio de 2019. Nestes comícios, o BNG psssou do quarto lugar nas preferências ao terceiro (187.901 votos nas primeiras e 171.500 nas segundas), superando amplamente as propostas rupturistas.

Cenário para 5 de abril

Destes cálculos, temos que quase cem mil galegas e galegos do âmbito da esquerda galeguista não têm decidido se vão participar nas eleições nacionais de 5 de abril nem a quem outorgarão a confiança. Fixando como solo os 93.810 das gerais abril de 2019 e como teito os 187.901 das locais de maio do mesmo ano, sai-nos uma diferença de 94.091. A isto cumpre somar que a abstenção nas últimas eleições galegas sempre é muito elevada: 36,25% em 2016, 817.702 pessoas; 36,2% em 2016, 832.678 pessoas; 35,57% em 2009, 942.078 pessoas; 35,79% em 2005, 936.609 pessoas.

Será muito interessante, portanto, verificar como se recompõem as forças da esquerda e como orientam a sua campanha, num contexto em que os inquéritos confirmam que o Feijóo teria a quarta maioria absoluta, somente ameaçada por uma possível divisão do voto da direita e pola capacidade da esquerda de mobilizar o eleitorado indeciso.