A sentença ditada polo Tribunal Supremo espanhol (que junto íntegra) não é apenas um pau contra o processo independentista catalão (o Procés), mas também uma pancada no estómago de qualquer democrata. Ainda pior, implica um grave precedente no que diz respeito do exercício das liberdades públicas, pois ameaça seriamente o seu exercício e, portanto, significa uma gravíssima deterioração democrática.
Depois da sentença 459/2019 do Tribunal Supremo, impedir ou dificultar o acesso de uma força policial a um lugar, protestar ao redor de um prédio público ou mesmo causar «medo» nas pessoas —sem que isso fosse o objetivo— poderá ser perseguido por um delito de sedição, que tem a seguinte caraterização no Código Penal espanhol:
Artículo 544.
Son reos de sedición los que, sin estar comprendidos en el delito de rebelión, se alcen pública y tumultuariamente para impedir, por la fuerza o fuera de las vías legales, la aplicación de las Leyes o a cualquier autoridad, corporación oficial o funcionario público, el legítimo ejercicio de sus funciones o el cumplimiento de sus acuerdos, o de las resoluciones administrativas o judiciales.
Código Penal espanhol
Segundo o artigo 545, o castigo mínimo será de 4 a 8 anos de cárcere, punição elevada a 8-10 anos para quem forem identificados como indutores, sustentadores ou principais autores, agravada a 10-15 se estas últimas pessoas fossem uma autoridade (caso em que se encontram os agora condenados polo Tribunal Supremo espanhol).
Artículo 545.
1. Los que hubieren inducido, sostenido o dirigido la sedición o aparecieren en ella como sus principales autores, serán castigados con la pena de prisión de ocho a diez años, y con la de diez a quince años, si fueran personas constituidas en autoridad. En ambos casos se impondrá, además, la inhabilitación absoluta por el mismo tiempo.
Código Penal espanhol
2. Fuera de estos casos, se impondrá la pena de cuatro a ocho años de prisión, y la de inhabilitación especial para empleo o cargo público por tiempo de cuatro a ocho años.
Como certeira e perfeitamente diseciona o jornalista David Lombao em Praza Pública, a aplicação do delito de sedição aos líderes políticos e sociais do Procés «semella bosquexar novas restricións para as protestas cidadás en xeral». Não poderia estar mais de acordo, e vou centrar a atenção, precisamente, na parte social, que representam os chamados «Os Jordis», Jordi Sànchez e Jordi Cuixart, respetivamente presidentes da Assemblea Nacional Catalana e Òmnium Cultural.
Ambos os dous careciam de cargo público no momento dos factos. Eram, porém, pessoas de relevância pública, já que presidiam duas importantes organizações sociais (ANC e ÒC), razão pola qual a sentença os considera «líderes sociais de vanguarda» (pág. 481), quase equiparando-os desta maneira em termos de responsabilidade a cargos públicos como os ex-conselheiros ou a ex-presidenta do Parlament julgados. Desta maneira fôrom condenados a 9 anos de prisão, só ano e meio menos do que Joaquim Forn ou Josep Rüll.
Segundo a sentença, apesar de que nem o Sànchez nem o Cuixart realizárom ou promovêrom atos violentos (imperscindíveis para o delito inicialmente imputado, o de rebelião), a «resistência» promovida para dificultar a atuação policial nos colégios eleitirais na data do referendo de autodeterminação «por si só é apta e idónea» para sentenciar um delito de sedição. Especialmente preocupante é o seguinte razoamento que realiza a sentença (pág. 283), toda uma advertência para os movimentos sociais:
El derecho a la protesta no puede mutar en un exótico derecho al impedimento físico a los agentes de la autoridad a dar cumplimiento a un mandato judicial, y a hacerlo de una forma generalizada en toda la extensión de una comunidad autónoma en la que por un día queda suspendida la ejecución de una orden judicial. Una oposición puntual y singularizada excluiría algunos ingredientes que quizás podrían derivarnos a otras tipicidades. Pero ante ese levantamiento multitudinario, generalizado y proyectado de forma estratégica, no es posible eludir la tipicidad de la sedición. La autoridad del poder judicial quedó en suspenso sustituida por la propia voluntad -el referéndum se ha de celebrar- de los convocantes y de quienes secundaban la convocatoria, voluntad impuesta por la fuerza.
(Pág. 283 da STS 459/2019. O negrito é meu)
Deitar-se às portas de um prédio para dificultar a entrada de uma força policial para um despejo, ou bloqueá-la fisicamente para impedir a sua entrada e atuação, também poderiam ser, a partir de agora, condutas castigadas com a pena de sedição. Ou impedir a entrada numa fábrica durante uma greve, naqueles casos em que os fura-greves são acompanhados por antidistúrbios, como aconteceu há um ano na Galiza durante a greve dos produtos elaborados do mar.
Se já antes da Lei mordaça havia muitas dificuldades para os protestos públicos, após a aprovação da dita lei a cousa ficou bem pior. Agora, com esta sentença, multiplicam-se exponencialmente as sanções económicas e os anos de cárcere que arriscam as pessoas que pacificamente decidem protestar. E isto não é uma brincadeira nem cousas de catalães. Isto é uma matéria que atinge qualquer pessoa com um mínimo de decência democrática.
BONUS TRACA
Não deixa de ser inquietador que, para agravar a descrição e consideração dos factos, o Tribunal Supremo espanhol entre em artifícios literários e completamente subjetivos (que, porém, considera provados):
La hostilidad desplegada hizo inviable el día 20 de septiembre que los funcionarios dieran cumplimiento con normalidad a las órdenes del Juzgado núm 13 de instrucción de Barcelona, ocasionando miedo real, no solamente en los funcionarios que ejecutaban legítimas órdenes jurisdiccionales -es el caso de la Letrada de la administración de justicia actuante en la sede de la Vicepresidencia-, sino en los funcionarios autonómicos bajo investigación, que habían de ser trasladados, por exigencia legal, a los inmuebles en los que se estaban practicando los registros. Se trataba de los mismos funcionarios a los que los sediciosos decían querer defender, cuya presencia fue efectiva y definitivamente impedida por los acusados que lideraron la tumultuaria movilización.
(Págs. 284-285 da STS 459/2019. O negrito é meu)
O medo, senhores magistrados e senhora magistrada do Supremo, é um sentimento individual que pode ser expressado publicamente (ou não). Mas, por definição, é uma circunstância subjetiva e pessoal, em que inferem vários fatores, a começar pola intencionalidade. A sentença não é capaz de confirmar que houvesse intenção de provocar medo, mas considera provado que a várias pessoas lhes foi ocasionado «medo real». Não que sentissem um «medo real», mas que lhe-lo ocasionárom. Para refleter um bocado a respeito sobre as implicações jurídicas disto…
ATUALIZAÇÃO 16 DE OUTUBRO
Aproveito para recomendar a leitura do editorial de hoje de Praza Pública, que explica melhor do que eu o que neste artigo pretendia transmitir.