Algumas (úteis) expressões para melhorares o teu galego

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No dia-a-dia usamos um bom número de fórmulas linguísticas sem repararmos em que não são galegas ou abusamos de outras que sim o são, mas que já têm outros significados; ao mesmo tempo, galeguíssimas formas vão colhendo pó numa gaveta, mesmo correndo risco de desaparição.

As razões do fenómeno são diversas, mas em muitas ocasiões temos por trás um comum denominador: a semelhança com o castelhano. O parecido com essa língua faz com que, mesmo inconscientemente, utilizemos as mais das vezes fórmulas em galego que condizem com as equivalentes castelhanas. Nalguns casos á traslação é correta; noutros é um decalque que devemos desterrar.

Há quase um ano coloquei algumas (úteis) palavras para ajudar a melhorar o galego. Vou fazer agora o mesmo com algumas expressões ou construções.

NOTA: Junto um guia de pronúncia nada científico (sem carateres esquisitos), pensado unicamente para a Galiza.

NOTA 2: Exceto «ei da puxa!», que descobrim por acaso e gostei, todos os exemplos formam parte do meu galego familiar (do berço ou da família política).

NOTA 3: Algumas destas expressões não aparecem no Dicionário Estraviz. Não aparecem… ainda ;-).

  • A modo. Ir ou fazer algo devagar, com jeito, com cuidado…
  • Às atoutinhadas ou às atoutinhadelas. Andar às apalpadelas, reconhecer algo polo tato quando não é possível ver.
  • A eito [a’êito]. «Sem interrupção, de um modo continuado; abundantemente, sem escolher nem diferenciar umas cousas de outras; disparatadamente, de qualquer modo». Esta locução serve-nos para contextos como «trabalhou a eito» (=trabalhou sem descanso, trabalhou sem parar…) ou «filho, bota a carne a eito» (=não seleciones as porções de carne que mais che apeteçam e bota-a aleatoriamente). [estraviz.org]
  • Andar nas bouretas. «Andar em pendências ou alvorotos» [estraviz.org].
  • Cabo de. Ir ou estar junto alguém. Exemplos: «Joana foi cabo do médico» ou «meu primo está com a namorada; está cabo dela».
  • Cas. É uma contração popular de «casa» que se usa, com ou sem a preoposição em, para indicar que uma pessoa vai à casa de outra. Também pode dar-se o caso em que não vá literalmente à sua casa, mas ao lugar em que essa outra pessoa esteja. Exemplos de uso: «A Luísa vai em cas Henrique» ou «Eduardo vai cas Felisa». Especialmente no segundo exemplo verá-se a semelhança com o uso do francês chez (p. e. Mon père est chez Louis = Meu pai vai cas Luís).
  • Chover (a alguém) [na cabeça]. Utiliza-se quando alguém não é prudente ou judicioso. Exemplos: «A esse chove-lhe» (= está tolo) / «Como ousas fazer algo tão perigoso? A ti chove-che na cabeça».
  • Ei da puxa!. «Voz que indica aprovação irónica de algo extravagante ou mais que evidente» [estraviz.org].
  • Em perregancho ou em porrancho. Ir ou estar em coiro, nu.
  • Ir mal. Utiliza-se para indicar que alguém tem dor, malestar. Exemplos: «- Filha, vejo-che má cara, vai-che mal? / – Vai, dói-me bastante a cabeça». Metaforicamente, também nos pode ir mal quando rimos a cachão até o ponto de nos doer o corpo do ‘esforço’, como nos exemplos: «Não posso deixar de rir, vai-me mal!» / «Parai de contar essa história ridícula, que me vai ir mal». Construção tem um uso semelhante ao francês avoir mal (p. e. Avoir mal à la tête = Ir mal à cabeça, doer a cabeça).
  • Jaora [xa’óra]. Expressão usada para indicar que uma cousa é lógica, evidente, que acontecesse o que acontecer só poderia ter uma única resolução possível. Exemplos: «Perguntas se irei à festa? Jaora que vou!». «- O Cristiano Rolando ganhou-nos no jogo de futebol. / – Jaora!».
  • Mádia leva (ou tem) / Máudia leva (ou tem). Esta expressão resume a idiossincrasia galega. Literalmente, «mau dia leva» (= leva um dia mau), mas na realidade usada de maneira retranqueira. Por esta razão, longe de evidenciar que alguma pessoa tivo um mau dia, pode ser usada para expressar surpresa (“caramba!”) ou, mais habitualmente, para indicar que uma cousa é lógica, evidente, que acontecesse o que acontecer só poderia ter uma única resolução possível. Por exemplo, uma desportista de elite chamada Ana Bestilheiro competindo contra amadores, daria como resultado lógico uma vitória da primeira e uma conversa do seguinte teor: «- A desportista Ana Bestilheiro venceu na corrida contra as meninas da escola. / – Ganhou, mádia leva/mádia tem!». O exemplo serve também para comprovar que o verbo levar/ter pode ser conjugado (mádia leva, mádia levava, mádia levou…); destarte, para além de “ganhou, mádia leva/tem!”, a resposta também poderia ter sido “ganhou, mádia levava/tinha!”.
Excerto da ‘Gramática elemental del gallego común’, de Carvalho Calero
  • Não ser bem. Estar tolo ou não ser judicioso. Exemplo: «Como che ocorre guiar o carro a essa velocidade? Tu não és bem!».
  • Não ser bem ajeirado / Ser mal ajeirado. O significado é idêntico ao anterior. Sel mal ajeirado ou não ser bem ajeirado significa que a alguém… que a alguém lhe chove na cabeça 😉
  • Tornar [tôr’nar]. Para além dos significados relacionados com regresasr ou converter uma cousa noutra, o verbo tornar tem também significados ligados à segurança ou à proteção. Exemplos: «o guarda-chuva torna [‘tórna] a água» (=protege-nos da chuva), «vai à leira e torna as vacas» (=vigia que não saiam da leira), «o menino está no curral, torna o cão» (=vigia o cão para não atacar o menino)..

E o meu par preferido:

  • Termar [têr’mar] de / Ter conta de. «Paulo, terma [‘têrma] deste livro?». «Por favor, tem conta da cadeira para que a avó possa sentar». Qualquer uma destas duas fórmulas servirá para alternar com sujeitaragarrarcolherseguraraguentar ou outros (p. e.: aguentar o livro, agarrar a cadeira…).

BONUS TRACK

  • Ter conta [‘kônta] de. Também se pode utilizar esta expressão como sinónima de cuidar ou vigiar. Exemplo: «Amor, tem conta da criança enquanto vou à livraria».

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