Toda iniciativa pública está sujeita à análise/crítica pública. É algo são e até necessário numa sociedade viva e minimamente democrática. Contudo, é necessário diferenciar dous tipos básicos de crítica. Um deles, baseado na confrontação de factos. Outro, baseado na concatenação de opiniões/suposições (polo tanto, afastado do anterior).
Não forma parte das minhas (pre)ocupações diárias molestar-me em responder exemplos do segundo, mas hoje mesmo topei um exemplo bastante grosseiro disto último e, como se diz nestes casos, «ou falo ou rebento» (a certas idades, o de aguentar já começa a ser mau).
A crítica de que falo leva por título A minha língua nom é mundial e assina-a Maria Rosendo, um texto que pretende refutar, deduzo, o conteúdo deste texto de apresentação na plataforma Verkami da campanha O Mundial Fala Galego. Sem ânimo de ser maçador, mas exaustivo, procedo-o a analisar e rebater com factos.
No passado mês a AGAL vem de lançar a sua nova campanha da língua sob a legenda: “o mundial fala galego”.
VERDADEIRO. A AGAL apresentou a campanha a 12 de maio. Dous dias depois apresentou uma iniciativa de micromecenado para a financiar, sob a legenda O Mundial Fala Galego (nos meios). O micromecenado foi um sucesso (atingiu-se mais dinheiro do mínimo previsto) e começou-se a implementar a 13 de junho.
Ao ler o seu manifesto a minha decepçom nom foi tanta como a minha indignaçom. Acho por todas é conhecida a vontade da AGAL de situar o galego como umha língua de prestigio mundial que nos pode oferecer umha cheia de oportunidades, entre elas maiores opçons de intercambio cultural e comercial no Globo.
INEXATO. Não há qualquer manifesto. O único que existe é um texto de apresentação da campanha no Verkami, no qual se explicam as motivações para lançar a campanha e para a publicitar, e um breve texto de apresentação no sítio web.
FALSO. A AGAL não tem vontade de situar o galego como umha língua de prestígio mundial. A vontade ou objetivos da AGAL são unicamente os expressados nos seus estatutos, designadamente o artigo n.º 2, e particularmente a seguinte redaçom: «A Associaçom Galega da Língua tem por objetivo fundamental conseguir umha substancial reintegraçom idiomática e cultural do galego [… na área lingüística e cultural que lhe é própria: a galego-luso-africano-brasileira».
Aclarado o anterior, é VERDADEIRO que a AGAL tem promovido ações divulgativas em que representantes autorizados da associação se referiram às oportunidades que abre a nossa língua, dentre as quais as económicas são apenas algumas. Há uma exposição de razões bastante alargada (embora tampouco exaustiva) no livro O Galego é Uma Oportunidade / El gallego es una oportunidad, editado pola ATRAVÉS | EDITORA (chancela editorial da AGAL).
Eu sempre fum muito escéptica com estas possibilidades que a AGAL enfatiza porque, se bem é certo que ao reconhecermo-nos na normativa reintegracionista faz-se evidente que a nossa língua é falada com outros sotaques além Minho e Atlântico, nom acho que o prestígio de umha língua tenha de vir dado polasopçons mercantilistas com as que esta provea às suas falantes, máxime quando o intercambio mercantil ao que se faz referência sustentasse em economias capitalistas e neoliberais.
FALSO. No texto de referência (insisto: pode-se ler aqui) há zero menções à economia.
Também o valor do intercambio cultural possibilitador da nossa língua nom pode eximir-nos da toma de consciência crítica sobre o facto de estar-nos a relacionar com povos que, originalmente nom tinham o galego-português como língua autóctone masmilheiros de outras línguas nativas que foram exterminadas com o Imperialismo português.
VERDADEIRO. Na América (toda a América) produziu-se um genocídio das populações precolombinas. Isto é um facto incontestável. Os povos autóctones foram dizimados e centos de línguas despareceram da América desde o século XV. Os cidadãos e cidadãs da República Federativa do Brasil possuem variadas origens: descendentes das referidas populações indígenas, filhos e filhas da escravidão africana e descendentes dos milhares (milhões?) de pessoas que abandonaram os seus países de origem e se estabeleceram no Brasil. É o caso, por exemplo, de milhares de galegas e galegos que fugiram da fame que padeciam na Galiza e procuraram em terras americanas um futuro que se lhes negava.
O facto é que atualmente o Brasil tem ao redor de 200 milhões de habitantes e que estes, na sua maioria, têm o português como primeira língua. E também é um facto que o português nasceu aproximadamente no território do Reino da Espanha que conformam a atual Comunidade Autónoma de Galicia e parte das províncias das Astúrias, Leão e Samora, bem como a região portuguesa situada entre os rios Minho e Douro.
É por isso que eu me considero galega. Por pertencer a um povo oprimido com umha língua oprimida.
Bom, isto é uma opinião. Cada pessoa dirá que se considera galega por razões determinadas. Algumas, «porque lo pone en mi DNI». Outras, porque nascemos aqui e as nossas raízes familiares estão nesta terra desde muitas gerações atrás. Outras, porque os nossos pais e mães encontraram neste país o seu fogar. Outras…
E, ao igual que desde a condiçom de mulher na que me construo, busco sair dessa opressom resistindo desde abaixo e caminhando cara a igualdade entre as pessoas, nom buscando a supremacia fronte a outras. O meu sonho nom é chegar a ser o que a opressora é, o meu sonho é acabar com a opressom toda e que cada quem poda viver na liberdade da sua própria identidade.
Imagino que os sentimentos da autora são VERDADEIROS, ou polo menos não tenho por que pensar o contrário; contudo, o terreno dos sentimentos não é um facto.
Ora bem, se as afirmações que confronta as coloca na boca da AGAL, seria algo FALSO. No texto de referência (é necessário que coloque novamente a ligação?) há uma só palavra ou expressão que promova/incite/procure a supremacia do galego-português sobre outras línguas, que entenda que o «sonho» da AGAL é «chegar a ser o que é a opressora»?
Por isso estou indignada com a campanha da AGAL, porque nomentendo como para dar-lhe prestígio à nossa língua podemos passar-nos ao bando do opressor e fazer apologia de um evento tal como a Copa do Mundo de Futebol, que atualmente está a massacrar o Brasil:
FALSO. Nem no texto de referência se faz «apologia» do evento nem muito menos se passa à AGAL ao «bando do opressor». E se a autora considera que é assim, que ponha um só exemplo.
O texto indica que o galego(-português) é uma língua e, como todas as línguas, serve para tudo, desde namorar, até trabalhar, fazer uma tese ou organizar o maior espetáculo de massas do mundo. Isto é fazer apologia do evento/passar ao lado do opressor ou é, pola contra, pôr em valor a língua galego-portuguesa na mesma Galiza em que a juventude namora em castelhano, em que a presença do galego no mundo da empresa é anedótico, em que fazer uma tese de doutoramento no nosso idioma é notícia ou em numerosos macroeventos esta língua é excluída «para que lo entiendan los de fuera»?
O Comitê Popular da Copa fala em mais de 20.000 famílias atingidas com deslocamentos desde 2009 no Rio para a construçom de complexos comercias e rodovias que levam nada a lugar nenhum. Demoliçons sem prévio aviso com pessoas ainda dentro das casas e remoçons para áreas sem estrutura para as famílias, desde saneamento básico até rede escolar. Por nom falar do reforço brutal na “segurança” com a acçom das forças armadas e da polícia, que estám a cometer violaçons sistémicas de direitos humanos contra as comunidades pobres e negras e, mais umha vez, de jeito especial contra as mulheres.
O processo de mercantilizaçom e elitizaçom da cidade por mor da Copa está a ser brutal (já foram gastos cerca de 100.000 milhons de euros para obras!).
Não vou dizer que seja FALSO, porque não tenho os dados nem maneira de os confrontar. Ora bem, é VERDADEIRO que se produziram (e produzem!) atrocidades e aí estão as hemerotecas.
Mas também o som os movimentos insurgentes, condenados e demonizados polos mídia. Com esses é que eu estou e com esses é que eu me sinto galega, e se posso dizer que “a rebeldia fala galego”nom é porque as suas gentes falem o galego-português, mas porque muitas delas ainda falam makuxi, terena, boniwa ou guaraní; línguas que, ao igual que a minha, foram oprimidas.
O nosso reto deve ser dignificar o galego desde a perspectiva da diversidade e nunca desde a supremacia capitalista e patriarcal.
Eu não me sinto mais galego com os movimentos insurgentes do Brasil que com os da África do Sul, Angola, Ucrânia… Ora bem, com os do Brasi e da Angola tenho uma língua franca, com outros já não. Mas, como já disse antes, o terreno dos sentimentos não é um facto.
Remato o meu comentário indicando que a campanha está destinada à população galega em geral, tanto reintegracionistas como sobretudo não reintegracionistas. Mercê a inserções publicitárias em diferentes meios de comunicação (inclusive alguns que se editam em castelhano), pessoas de todo tipo terão a oportunidade de conhecer o site O Mundial Fala Galego. Particularmente, aguardo que muitas pessoas que não têm o galego como primeira língua ou que a têm, mas não militam nisto do idioma como é o meu caso, cheguem a este sítio web e a ideia central lhes produza um choque, que reformulem os seus axiomas. Se isto se produzir, acho que será um sucesso.
Por outra parte, é necessário lembrar que, embora não seja o seu cometido principal, o site tem uma secção de vídeos em que aparecem bastantes peças antiCopa. Novamente, espero que a galega ou galego médio chegue a site e conheça que os protestos antiCopa também falam a sua língua.