Um homem chamado Ricardo

A Real Academia Galega, em sessão que decorreu em 27 de Junho, decidiu que o Dia das Letras de 2010 será dedicado a Uxío Novoneyra. Não vou entrar aqui a valorar o facto de que para o ano se homenageie Novoneyra, porque acho que seja em 2010, 2011 ou quando for, é uma homenagem merecida que nenhum galego informado, quer reintegracionista ou isolacionista, não põe em causa, devido à sua altura literária e humana, além do inquebrantável compromisso com este país.

O que vou entrar a valorar é que a RAG continue empenhada em desprezar ano após ano Carvalho Calero, apenas polo ‘pecado’ de nos últimos anos da sua vida defender com a prática para o galego o que sempre tinha defendido na teoria o galeguismo: a unidade com o português, a reintegração da Galiza no diassistema linguístico que todas e todos sabemos.

Ao meu ver, Carvalho Calero cumpriu todos os requisitos necessários para poder ser galardoado. Assim, além do inequívoco compromisso com o país (participou na redacção do estatuto de autonomia da Galiza de 1936, luitou na guerra contra o fascismo e foi preso vários anos por «separatista»), foi autor de uma vasta obra literária na nossa língua (sobretudo poética, mas também com obras premiadas noutros géneros, como o romance Skórpio), boa parte dela durante o período repressor franquista.

Ainda, foi o primeiro catedrático de Língua e Literatura galegas, e autor de quinze obras ensaísticas em vida (e mais duas de carácter póstumo) desde a década de ’60 do século passado até o ano antes de morrer. Como catedrático foi mestre de várias gerações de filólogos que com o passar dos anos acabariam por se instalar como dirigentes do stablishment linguístico galego, contribuindo para relegar no ostracismo o seu ex professor.

E falando de ex-professores, recentemente um  um ex professor meu afirmava cousas como esta:

Parece incoherente que por un lado se acose a Academia, non só desde o reintegracionismo, e por outro se lle esixa o recoñecemento de determinadas figuras. Ou se respectan os órganos históricos da lingua galega ou se continúa coas políticas de deslexitimación que tanto dano fan á percepción social do idioma. E creo que non están os tempos para iso.

Esta ideia é partilhada por muitas pessoas, e utilizou-se como um dos argumentos para deslegitimar a candidatura de Carvalho Calero. Mas, digo eu: esta situação é culpa do reintegracionismo ou mais bem do isolacionismo institucional que condenou Carvalho Calero ao ostracismo por um suposto ‘pecado’ linguístico?

Lembro ao meu ex-professor (e a muita outra gente) que Carvalho Calero teve o aval das concelharias de Cultura de todas as cidades galegas (salvo Lugo). Também estas estavam instrumentalizadas polo reintegracionismo? Também elas atentam contra supostas legitimidade da RAG? É o reintegracionismo quem deslegitima a RAG ou, polo contrário, é esta quem se deslegitima?

Se Carvalho Calero não pode ser homenageado num Dia das Letras, quem pode? Quais são, pois, os critérios? Carvalho Calero foi relegado por ser reintegracionista prático nos últimos anos da sua vida. Ficarão excluídos no futuro quem defendem o reintegracionismo teórico? Ficarão excluídos autores que tenham publicado obras em reintegracionismo de mínimos?

Em 2010 cumprem-se cem anos do nascimento de Carvalho Calero e vinte da sua morte. Excelente oportunidade para a RAG se reconciliar com a figura de quem foi um dos seus membros, brilhante artista, incansável investigador e inquebrantável no seu compromisso como país: um homem chamado Ricardo.


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Comentários

2 comentários a “Um homem chamado Ricardo”

  1. Avatar de Vixía

    Não há dúvida do merecimento de Uxío Novoneyra, poeta admiradíssimo por quem lhe escreve. Mas, para o próximo Dia das Letras, não fazia dano nenhum homenagear Carvalho em coincidência com o centésimo ano do seu nascimento. A eleição de Novoneyra pode ser uma estratégia para evitar o ferrolão, ou não. O certo é que está “colhida com alfinetes” pois aínda lembro a homenagem que fizemos na minha escola pelo seu falecimento, há apenas dez anos. Não compreendo que Carvalho Calero continue a ser esquecido para esta data. Parece que tivesse menos méritos do que Ramón Piñeiro ou Avilés de Taramancos… Se o pobre Uxío tivesse morto no ano 2001, qual argumento teriam na R.A.G. para denegar a candidatura mais umha vez? Mudariam as normas de admissão das candidaturas para que pudessem ser aceptados os finados há mais de oito anos? E a pergunta do milhão: Que dano pode fazer à língua galega, ou mesmo à academia que fixa a sua norma, o reconhecimento duma pessoa que passou uma parte da sua vida aplicando uma ortografia alternativa?

  2. Avatar de galeguzo

    Totalmente de acordo, Vixía. Carvalho há dez anos que pode ser candidato ao Dia das Letras. Desde aquela as pessoas homenageadas foram:

    – 2000: Manuel Murguía
    – 2001: Eladio Rodríguez
    – 2002: Frei Martín Sarmiento
    – 2003: Antón Avilés de Taramancos
    – 2004: Xaquín Lorenzo
    – 2005: Lorenzo Varela
    – 2006: Manuel Lugrís Freire
    – 2007: María Mariño Carou
    – 2008: Xosé María Álvarez Blázquez
    – 2009: Ramón Piñeiro

    – E em 2010: Uxío Novoneyra

    Reitero: quais os critérios? Murguía foi uma pessoa muito importante para a cultura galega (impulsou a RAG, da qual foi presidente), além de uma referência teórica do nacionalismo durante muito tempo. Porém, o 99% da sua obra foi em castelhano.

    O Padre Sarmiento também foi muito importante, e na sua época realizou um labor lexicográfico notável, além de ser um incansável recuperador de saberes. Mas, como Murguia, a maioria da sua obra foi também em castelhano.

    Carvalho Calero, insisto, tem como mínimo tantos merecimentos como estas pessoas. Acho que cem anos do nascimento e vinte da morte, juntamente o apoio social e institucional seriam ocasião impecável para apoiar a candidatura