Como as mulheres «decidem», segundo o Rajoy

Olhem só estas declarações do Mariano Rajoy:

decidir

v. tr.

(1) Determinar, resolver: decidiu partir. ≃ estatuir

(2) Ser causa de: o bom tempo decidiu a viagem. ≃ concluir

(3) Julgar: decidir pleitos. ≃ assentar, definir

v. i.

Dispor: está difícil decidir em favor de um deles.

v. pron.

(1) Resolver-se: decidiu-se a trabalhar.

(2) Dar preferência a: decidiu-se polo vestido azul.

[lat. decidere]

Fonte: Dicionário eletrónico Estraviz

Senhor Rajoy: «decidir» é um termo enormemente complexo e rico em matizes. Alguém que não enxerga o significado da expressão «direito a decidir» já prova as suas dificuldades e, portanto, não aspiro a que compreenda a minha sentença. Ora bem, aclararei-lhe pedagogicamente que DECIDIR não é o mesmo que VER-SE NA OBRIGA DE.

Como conhecedor do também rico humor galego, conhecerá a expressão «QUE REMÉDIO!». Esat, longe de ser uma amostra de assentimento, apenas significa resignação frente a algo inevitável. Pois muitas mulheres, QUE REMÉDIO!, senhor Rajoy, cuidam dos filhos ou filhas porque carecem de ALTERNATIVAS: não se pode, em rigor, DECIDIR, quando não existem opções entre as quais poder escolher.

Um exemplo pedagógico de ALTERNATIVA é o que acontece com o senhor, que não é presidente do Governo espanhol porque há várias opções possíveis. Na sua visão limitada, só poderia ser presidente o candidato da força mais votada. Porém, no sistema eleitoral espanhol, presidente é quem conta com mais apoio dentro do Congresso dos Deputados, e nem sequer tem que ser um dos 350 deputados ou deputadas, mas qualquer pessoa que integre o corpo eleitoral espanhol (34,59 milhões nas eleições do passado 26 de junho).

Senhor Rajoy, as mulheres não «decidem» deixar de lado os seus empregos para criarem dos filhos… ou cuidarem de algum familiar ao seu cargo, como tanto acontece, especialmente no meu país, na sua región. Na Galiza, segundo dados oficiais da Segurança Social (Seguridad Social), são mulheres 94% das pessoas com um contrato a tempo parcial por cuidados familiares (crianças, idosos, pessoas com mobilidade reduzida…), concretamente 17.700 mulheres frente a 1.000 homens.

Porque isto acontece? Entre outras razões, porque o mercado laboral espanhol, dominado por empresas e empresários/as com mentalidade de séculos pretéritos, castigam, expulsam do mercado laboral as pessoas que decidem ter vida além de um emprego. Por essa razão há despedimentos de mulheres grávidas ou, já antes, não-contratações de mulheres em idade fértil. É a mesma (i)lógica retrógada que explica por que apenas 2% dos trabalhadores galegos (homens, aclaro) desfrutam da licença de paternidade que lhes concede a lei: o descanso das mães nas seis primeira semanas é obrigatório, não assim o dos pais, que é facultativo… e a maioria renuncia a ele por temor às represálias.

Na mesma linha, 89% das excedências laborais por cuidados a familiares são pedidas por mulheres, igual que 74% das reduções de jornadas por cuidados de filhas ou filhos menores de 13 anos.

Isto não se produz, senhor Rajoy, por uma «decisão» própria: além do que possamos deduzir com sentidinho a partir da descrição e dados anteriores, estão as próprias respostas de quem isto padece. Segundo o inquérito da população ativa (Encuesta de Población Activa, EPA), no primeiro trimestre deste ano 2016, 77% dos empregos a tempo parcial correspondem a mulheres. Por vontade própria? Não! Segundo a própria EPA, seis em cada dez trabalhadores ou trabalhadoras a jornada parcial reconhecêrom trabalhar a tempo parcial porque não encontravam emprego a tempo completo. Não é uma «decisão», senhor Rajoy, é um QUE REMÉDIO!


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