Cóssovo e nós: uma vitória compartilhada

NOTA: Tradução do artigo do diretor de Vilaweb, Vicent Partal, publicado em 23 de julho de 2010. Leia o texto original clicando aqui.

A sentença do Tribunal Internacional de Justiça sobre a independência do Cóssovo é uma grande notícia. O tribunal surpreendeu pola clareza. Não somente considera legal a independência do Cóssovo, mas deixa claro que nada no ordenamento jurídico internacional pode impedir um processo independentista. E isto, sobretudo agora, é transcendental também para nós.

A sentença marca claramente um antes e um depois na jurisprudência sobre a matéria. A comunidade internacional nunca teve uma doutrina clara sobre a maneira de chegar à independência. Por isto, esta sentença é transcendental, especialmente porque aclara dous conceitospoderosos. Em primeiro lugar, deixa claro que nada no ordenamento jurídico internacional se pode utilizar para blocar um processo independentista. Acabou, pois, a brincadeira da integridade territorial, da inviolabilidade das fronteiras ou da indissolúvel unidade que esgrimia o [Tribunal] Constitucional espanhol. Estas frases rituais perderam sentido de um dia para o outro e agora vêem-se condenadas a ser pura retórica ou propaganda; quiçá nem isso. Em segundo lugar, afirma uma cousa ainda mais impressionante: que uma declaração unilateral de independência, isto é: uma declaração feita sem acordo com o outro estado, com o estado do qual uma parte se separa, pode ser legal. Fazia dias que avisávamos de que este era um tema importante, mas reconheço que não pensava em absoluto que o tribunal seria tão claro e contundent nem que iria tão longe.

É evidente que o tribunal emite a sentença respondendo à pergunta de se a independência do Cóssovo se decide com a lei internacional. Isto deixa-o claro em todo momento: a pergunta era sobre isto e a resposta foi sobre isto. Mas não é menos certo também que uma boa parte das considerações jurídicas para suportar a independência do Cóssovo que alega o tribunal são de caráter geral e, portanto, entendem-se como uma norma de aplicação comum.

Resulta muito importante, neste sentido, ler os parágrafos 79-84 do documento (pdf), em que se aclaram de todo e sem qualquer sombra de dúvida os princípios de aplicação geral seguintes:

  • –o princípio de integridade territorial, o princípio de salvaguarda da integridade territorial de um estado, só se pode aplicar às relações entre estados, ou seja a um estado que, por exemplo, tentasse invadir um outro. Mas não se pode aplicar este princípio para impedir um processo de independência (§ 80)
  • –da prática do Conselho de Segurança das Nações Unidas não se pode inferir em nenhum caso qualquer argumento que proíba uma declaração de independência (§ 81)
  • –o Tribunal considera que a lei geral internacional não contém qualquer proibição contra as declarações de independência -–e atenção ao uso do plural!- (§ 84)

Passada a primeira reação de estupor, ontem [polo dia 22 de julho] os meios espanhóis provavam de tirar água ao vinho falando da excepcionalidade do caso cossovano e afirmando aos quatro ventos, histericamente, que a resolução não significava nada para o nosso país ou para o País Basco.

Entendamo-los: Espanha jogou muito forte contra a independência do Cóssovo. Literalmente, fez o ridículo opondo-se aos estados membros da União Europeia e fê-lo por razões de ordem interno. Espanha sabe que esta resolução muda por sempre a balança internacional sobre a questão e dá um impulso moral e jurídico aos processos de independência de todo o mundo, como o nosso. Portanto, é normal e lógico que prove de dissimular a derrota em toda regra que sofreram ontem as suas teses, porque o tribunal as desestimou explicitamente.

Entendido isto, agora não podem dizer mentiras.

É certo que a sentença se dirige à independência cossovana, mas mais acima assinalei os parágrafos que são de caráter geral e que foram invocados para justificar a sentença partindo do direito internacional (de facto, este apartado intitula-se, sem qualquer ambiguidade, ‘Lei Geral Internacional’). Geral, pois. E os conceitos gerais são de aplicação universal, como sublinha, ademais, o uso do plural que faz o tribunal, um uso que de jeito nenhum é anedotico numa sentença desta dimensão.

Agora, contra a manipulação que se tenta fazer desta vez há um argumento incontestável: há um texto público que todo mundo pode ler e que, se interprete como se interpretar, é rotundo na literalidade. E há bastante para perguntar onde estão os parágrafos que lhes dariam a razão, a eles. Não poderão argumentar nada porque, simplesmente, não há nada. E isso é o que os faz tremer de medo.

Por sinal: parabéns.

bandeira do cóssovo

 


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