«Eu son, son son, de Porto do Son, son, son…»

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Agora que uma pegadiça canção no-lo traz à primeira tona da actualidade (musical e linguística), e juntamente com uma polémica desatada após se saber da existência de um blogue com fotografias de topónimos corrigidos, vamos fazer um post toponímico cujo protagonista é, precisamente, Porto do Son/Porto d’Oçom.

A explicação mais frequente para este topónimo costeiro é a de significar, exactamente, o que diz a forma oficialista, “Porto do Son”, quer dizer, um porto do som ou sonido; aludindo talvez à sonoridade das marés, do vento ou de algum outro elemento acústico-natural. Como hipótese, como teoria, está bem, e carácter poético não lhe faltará. Mas a sua contrastação prática é bem mais complicada por vários motivos que vão a seguir.

  1. Diz uma regra da etimologia e da toponímia que os topónimos estranhos devem levar para a desconfiança. No caso de “Porto do Son”, o facto de tratar-se do único topónimo galego (ao menos, nestes momentos, do único que me consta) com referências sonoras. Nestes casos a própria lógica deve levar para procurar, se possível, formas análogas que explicarem o topónimo.
  2. Se a forma toponímica admitir a desagregação em partes, deve proceder-se a fazê-lo, diferenciando as formas claras e comuns do resto. Neste caso, não parece existir qualquer dúvida de um dos elementos conformadores do topónimo ser a palavra “Porto”. Ficaria, portanto, explicar “do Son”.
  3. Não são poucos os casos da chamada etimologia popular. Trata-se, quer dizer, do cruzamento de umas formas etimológicas com outras por analogia. São conhecidos na Galiza diferentes casos, mas apenas citarei dous: (as) Antas e (as) Santas, onde o plural do artigo que acompanha o topónimo em contextos preposicionais se junta na oralidade com o topónimo, acrescentando na etimologia popular essa consoante ao próprio topónimo à hora de escrever (neste caso, por estar em regressão a palavra ‘anta’ e por ‘Santa’ parecer mais ‘elevado’). Um outro similar e mais doado de explicar é a passagem (só na escrita, pois na oralidade soam igual!) de Montes Souteiros para Montes Outeiros.
  4. Tendo em conta o apartado anterior, o facto de desagregar o que soa na oralidade como “portodosón” (na ortografia isolacionista) para “Porto do Son” resulta, quaando menos, algo arriscado, principalmente tendo em conta também o ponto 1 (referente aos topónimos esquisitos).
  5. Poderia intentar-se uma desagregação diferente a “do Son”? Possivelmente. Tendo em conta a fonética sintáctica podemos provar “Dosón” ou “De Osón”, o qual nos levaria para procurar topónimos similares ao primeiro(“Dosón”) ou o segundo (“Osón”). Topónimos… ou apelidos, já que tendo em conta que boa parte dos apelidos galegos têm origem toponímica, são uma outra fonte para investigar (o topónimo pôde ter-se perdido, mas costuma permanecer nos apelidos).
  6. Seguindo o ponto anterior, atopamos (no Nomenclátor da Junta da Galiza:
    1. “Dozón” (freguesia no concelho homónimo da província de Ponte Vedra), assim como 1 apelido com ‘z’ e 10 apelidos “Dosón” (para isto utilizamos o web da cartografia dos apelidos na Comunidade Autónoma Galega).
    2. Com a partícula “Ozón”, “San Martiño de Ozón” (concelho de Mogia).
    3. Ainda, e provavelmente ligado, aparecem multidão de “Oza” em subáreas linguísticas próximas do nosso protagonista toponímico.
  7. Tanto a existência de “Dozón” (sempre, na forma oficialista) quanto a de “Ozón” e “Oza” implicam, ou deveriam implicar ao menos, uma reanálise de “Porto do Son” como tal,  e não descartar a possibilidade de “Porto Dosón” ou “Porto de Osón” (com ‘s’ ou ‘z’), formas que bem poderiam ser formas oficializáveis e com maiores garantias de respeito ao topónimo real.

A Comissão Linguística da AGAL, intuo que após realizar uma análise similar à minha (ou seguramente melhor) chegou à conclusão de o topónimo, com efeito, estar ligado com esse outro “Ozón” e “Oza”, propondo como forma na nossa ortografia Porto d’Oçom. Por coincidir com o método que usei eu, e por se sustentar em documentação do lugar e conhecimentos filológicos dos quais careço, é que a assumo como apropriada. Não pretendo com este artigo, porém, pôr em causa a actuação em seu dia a Comissão de Toponímia da Junta da Galiza (ou talvez sim), mas inquerir porque este topónimo foi aprovado na forma em que o foi sem gerar apenas debate e sem recorrer a qualquer estudo. A verdade é que dá para pensar.


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Comentários

4 comentários a “«Eu son, son son, de Porto do Son, son, son…»”

  1. Avatar de Modesto

    Eu voto por Porto de Oção.

  2. Avatar de galeguzo

    Anoto a tua sugestão. Particularmente, não tenho clara qual a ortografia do topónimo. O que tenho claro é que “Porto do Son” parece um claro exemplo de etimologia popular.

    Depois, sobre “Porto Doçom” ou “Porto d’Oçom” (ou “de Oçom” já separado), já é mais discutível, se bem o facto de existirem por separado “Oçom” e “Oça” ajudam 😉

    Ora bem, daí a passar para “Oção” já há um caminho bem mais longo e discutível por muita gente 😀 Mais que nada porque os topónimos são algo muito singular, e tampouco a sul do Minho lhes pareceu nada bem em seu dia mudar “Monçom” para “Monção” ou “Crasto Laboreiro” por “Castro Leboreiro” 😉

  3. Avatar de galeguzo

    Olá de novo, Modesto! Antes de mais, esclarecer que acabo de comprovar que há um parágrafo do artigo, ponto 7, cuja redacção está errada. Deveu ser polo facto de escrever o artigo a altas horas da noite (e pertinentemente agendado para aparecer de jeito automático).

    Assim, no ponto 7, onde diz: implicam, ou deveriam implicar ao menos, uma reanálise de “Porto do Son” como tal e não “Porto Dosón” ou “Porto de Osón” (formas oficializáveis).

    O que marco em negrito é o que vou mudar no artigo agora mesmo. Não faço ideia porque ponho isso (seria o sono), mas não faz qualque sentido, já que não se entende a frase. Deveria dizer algo como “para” ou, mais elaborado, “e não descartar“.

    Já seguindo, obrigado pola ligação à hipótese de Calidonia 🙂 Com efeito, não está afastada ao 100% da minha, e polos dados que aponta, parece que usou uma metodologia similar, ao menos no que diz respeito de recorrer ao Nomenclator oficial (ou um atlas :-p) ou a algum banco de dados de apelidos (ou um guia telefónico :-p).

    Embora eu sou mais proclive cara à forma ‘Porto d’Oçom’ ou ‘Porto de Oçom’ (acabado em -ão ou -om :-p), verias que tampouco descarto ‘Porto Doçom’, se bem me parece menos provável, mas como lhe comento a Calidonia no endereço que ligavas, a etimologia popular pode andar sempre polo meio 😉

    Desde logo, o que já não entendo é que a Comissão de Toponímia nem tão sequer tenha debatido a forma “do Son” e a aprovasse sem mais.

    Por certo, Modesto, espero que tenhas gostado do artigo, mesmo que não concordes com as hipóteses, já que o escrevi pensando em ti 😀